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O lado bom do carvão

Quem só sabe de carvão vegetal pelo noticiário do horário nobre, com corpos tisnados, trabalho infantil, fumaceira cobrindo tudo e árvores ressequidas servindo de matéria-prima, dificilmente acredita que o carvão feito de plantas tem um forte apelo ecológico. E chega até a comprar o combustível de esporádicos churrascos de domingo com alguma culpa.

Nada menos verdadeiro. Não que a denúncia não seja válida. É sim. A produção clandestina de carvão está acabando com o Cerrado, junto com a soja e a expansão da fronteira agrícola, roubando a infância de crianças miseráveis, explorando coitados e poluindo o ar com uma fumaça sem fim. Mas esta é uma pequena - e condenável - parcela deste setor. As questões sociais e ambientais só vão ter jeito com justiça, o carvão aí é mero detalhe.

A madeira já gerava energia quando ainda habitávamos cavernas e foi nossa principal fonte primária até a década de 1950.

Seu uso tem muitas vantagens em relação aos combustíveis fósseis (petróleo e carvão mineral): emite menos CO2, já que só libera o que fixa na assimilação; é uma fonte renovável de energia; polui menos porque tem pouco enxofre; é mais barata, tanto por tonelada quanto por unidade de calor; não requer mão de obra especializada; evita o êxodo rural; seu transporte e armazenamento exigem muito menos logísticos.

Mas as desvantagens também existem. A madeira é um material muito volumoso e tem poder calorífico baixo se comparado ao de outros combustíveis. É aí que entra o carvão, sua versão concentrada.

Perdendo umidade e os voláteis, o que sobra da madeira quando ela vira carvão é praticamente carbono. Assim, o carvão pode ser usado com segurança, por exemplo, no preparo de alimentos, já que as substâncias tóxicas foram liberadas (alcatrão e outras), o que nos leva de volta ao churrasco.

Na indústria, o carvão vegetal pode ser usado em quase todos os processos, mas é na siderurgia que tem lugar garantido como combustível e redutor do minério de ferro. A dureza do aço vem do carbono do carvão e não do ferro. São necessárias adaptações nos altos-fornos, mas o carvão vegetal substitui bem o carvão mineral, com a vantagem de ter menor teor de cinzas e de enxofre, maior reatividade e, obviamente, ser renovável.

O carvão vegetal também é fonte de carbono na indústria química, na fabricação de cianetos, sulfureto e tetracloreto de carbono. Quando ativado, tem alto poder de absorção e é usado como filtro, descorante, desgaseificante entre outros.

Ao Brasil não falta espaço para produzir madeira e o país é hoje o maior produtor mundial de carvão, respondendo por 1/5 do que é produzido no planeta.

Para poupar as florestas naturais, surgiram na década de 1980 as "florestas energéticas". O país reúne as melhores condições de clima e solo para a produção de biomassa e tem as maiores taxas de crescimento florestal do mundo. Plantações adensadas de árvores exóticas de alta performance (eucaliptos) chegam a produzir aqui 45-50m³/ha/ano em ciclos de corte de 6 e 8 anos.

A produção de carvão pode ser mais ou menos poluente, dependendo do forno utilizado. Fornos convencionais ou descontínuos, os mais usados nas pequenas carvoarias, lançam na atmosfera cerca de 60% dos voláteis. Mas nem tudo o que sai do forno é poluente. A fumaça branca que causa tanto impacto visual é apenas vapor de água. Os voláteis têm fumaça azul.

Carvão pode ser produzido também em unidades contínuas de carbonização, as retortas. Neste tipo de sistema, há controle total dos gases resultantes e nenhuma liberação para atmosfera.

Então, por que a polêmica? Porque carvão é fácil de produzir, madeira ilegal é fácil de cortar e há sempre quem esteja disposto a explorar os que estão no limiar da sobrevivência.

As cenas que ocupam as manchetes dos jornais são lamentáveis e incompatíveis com quem busca o uso de energias renováveis como saída para a sobrevivência do planeta. No próximo churrasco, tente saber de onde vem o carvão que você está comprando. Há muita gente legal trabalhando, não estimule a produção clandestina.

Autor: Dimas Agostinho da Silva, professor doutor da UFPR, diretor do Laboratório de Energia de Biomassa

Fonte: REVISTA DA MADEIRA - EDIÇÃO N°114